Progressão ao vazio.
Num movimento de afunilamento dos paredões, a paisagem vislumbrada ao transitar do Barro Vermelho para a comunidade dos Buraquinhos, progride em direção à apreensão do vazio constituinte do desfiladeiro do Vão dos Buracos. Mais uma vez o elemento água se mostra abundante nos meandros serpenteantes da grande e onipresente vereda ladeada de buritis que caracteriza o rio Pardo. No trajeto até o núcleo comunitário, atravessa-se o rio quatro vezes. A primeira travessia já situa o caminhante pralém dos limites do Parque Estadual da Serra das Araras. Assim, a noção de vazio que vai gradativamente se afirmando na experiência dos caminhantes é conjugada de forma complexa na complementaridade entre terra árida e vereda, atualizando para os passantes, o hibridismo e a mistura – a indefinir as fronteiras – constantes da obra de Guimarães Rosa que imprimem ambivalência e obscuridade ao Sertão.
Literalmente, buraquinhos são pequenos buracos, pequenos vazios, sinal de que algo foi dali retirado, abstraído, sinal de ausência, de falta. A noção de vazio é uma relação complementar, pois o espaço antes ocupado pela terra que dali, paulatina e incessantemente , foi e vem se ausentando, enche-se de ar e de beleza. O vazio é criativo e generativo. Assim é na natureza. Assim é na vida. Como foi poeticamente retratado na canção de Gilberto Gil: “É sempre bom lembrar, que um copo vazio, está cheio de ar”. Na medida em que o caminho vai se aproximando do seu final, vai se consolidando a percepção de que o Sertão está em toda parte. Ocupa todos os espaços. Exteriores e interiores. Trata-se de um todo coerente, interdependente, complementar, complexo. Que parece contraditório sem na verdade o ser.
Do ponto de vista sociológico, Buraquinhos é uma comunidade de parentes quilombolas, alegres, hospitaleiros, atenciosos e sempre dispostos a uma boa prosa. Tal disposição de abertura e acolhimento é traduzida na imponente escultura do terno e vigoroso São Francisco de Assis, com os braços abertos, localizado no “Mirante do Tico”. A exuberante visão, que dali se acessa, evoca a unidade e fraternidade universais, presentes tanto na mensagem franciscana quanto na metafísica Roseana, ambas a apontar para a dimensão ascensional, materializada na geografia e apresentada na dinâmica do Caminho como provocação poética a inquietar os buscadores em travessia.