Buracos

O VÃO DOS BURACOS – O VAZIO DO VAZIO

A travessia dos Buraquinhos ao Vão dos Buracos se dá num ambiente de dinâmica, vitalidade e beleza na encantadora paisagem que “empareda” o serpentear do rio Pardo e oferece 18 ocasiões de atravessamento do seu espraiado leito. Do ponto de vista semântico o trajeto eleva a potência do vazio, pois, de um pequeno buraco vai-se a um grande buraco. Não bastasse tal progressão, na expressão “Vão dos Buracos”, encontramos duas vezes a noção de vazio, na palavra “vão” e na palavra ”buracos” – o vazio incidindo sobre si mesmo: o vazio do vazio – a via metafísica da subtração da matéria. A palavra Vão traz, ainda, em sua carga de oralidade, a abertura ao “espírito do vale” – a sabedoria popular com reflexos orientais a apontar para a insuficiência da letra escrita para traduzir o real. Oralidade e sabedoria popular, fontes principais onde bebeu Guimarães Rosa para elaborar a sua grandiosa obra, é também a marca da comunidade dos parentes do Vão dos Buracos que em seus mecanismos de vizinhança solidária, de hospitalidade e de reciprocidade sertanejas, se estende aos demais quilombos até a Serra das Araras. Por essas bandas, é comum relacionar o “vazio” socioespacial característico desse lugar sertão, ao isolamento histórico proporcionado pelo difícil acesso imposto pela geografia.

Citado no Grande Sertão Veredas associado à desafiadora travessia do Liso do Suçuarão (outro espaço também considerado um vazio), suposto deserto literariamente “plantado” naquela região, o Vão dos Buracos é um desfiladeiro, um vazio, geologicamente constituído por um fluxo permanente de água e fragmentos de terra arenosa – como evidenciado nas partículas de terra em suspensão nas águas do rio Pardo, conferindo-lhe sua cor peculiar e a sua própria denominação. Podemos então afirmar que ao se referir às pessoas de maneira geral, Guimarães Rosa adotou a perspectiva do Vão dos Buracos, pois, assim como estas, também o Vão não está terminado, ainda não foi e nem poderá ser dado por concluído. Estas noções de processo, de fluxo, de transitoriedade e de impermanência, características da dinâmica erosiva do lugar, são aspectos que perpassam o conjunto das obras do grande autor mineiro e atuam, em sua peculiar linguagem literária, como operadores cognitivos a conduzir o aprimoramento da leitura do real.

Tantas e insistentes referências ao vazio no trajeto final de um caminho construído sob a égide da palavra Roseana, leva-nos a refletir sobre a fragmentação, a erosão e o esvaziamento da palavra, do saber e do sentido em tempos de pós- verdade e do conhecimento disciplinar hiperespecializado. Derivas que afetam a percepção da complexidade totalizante do real e, assim, colaboram para o deslizamento das trajetórias, individuais e coletivas, rumo ao vazio do sentido existencial. O Vão dos Buracos, o vazio do vazio – enquanto presentificação de uma ausência que torna possível o ato criador – problematiza tais questões ao verter “proesia” Roseana, hospitaleira e solidária, no fluxo desejante das veredas humanas do aberto mundo sertão.

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