A Comunidade quilombola do Morro do Fogo guarda uma relação de vínculo e influências mútuas com o povoado de Serra das Araras. Com este, partilha o espaço, a paisagem, a geografia e o clima de forte religiosidade popular, em torno do “pai dos pobres”, Santo Antônio, e do padroeiro local, São Sebastião – o protetor dos pobres contra a fome, as guerras e as epidemias. A memória viva nos festejos do Santo que anualmente anima a comunidade registra sua origem há um século, motivada pelo temor à epidemia da “Gripe Espanhola”.
Nos festejos, celebram-se os afetos e a fé da e na comunidade. O espírito e os valores coletivos se manifestam nas danças e cirandas, na folia, no batuque, na procissão dos carros de boi, na cavalgada, na rica e diversificada culinária e nos demais fazeres e saberes tradicionais. A travessia pela comunidade se inaugura com as traiçoeiras “passagens mutantes” da lindíssima e onipresente Vereda da Catarina, que, a cada chuva, altera parcialmente seu percurso e exige atenção e experiência dos passantes para aprender o novo trajeto e não atolar seus veículos.
Tais “passagens mutantes” atualizam, no cotidiano dos moradores locais, as balizas da incerteza, da ambivalência e da impermanência tão presentes na obra de Guimarães Rosa e na vida mesma. Os moradores do outro lado da Vereda da Catarina já se encontram na área do parque Estadual da Serra das Araras e demandam do Estado o legítimo reconhecimento do direito da posse da terra que herdaram dos seus ancestrais.
À TERRA
O HOMEM A LUTA
PROMETEU
O tema não sai da pauta reivindicatória. Aquece e é aquecido pelo FOGO da tradição e anima a resistência e a organização comunitárias, levadas na simplicidade e na leveza dos agricultores familiares na lida cotidiana com a terra, com os animais em uma economia agroextrativista de subsistência, na beleza e na alegria das relações de amizade e cumplicidade com a vizinhança e no respeito e na integração ao meio ambiente.