Guia mais velho do Caminho do Sertão, Argemiro vai à frente do grupo e compartilha conhecimentos sobre cerrado
“Quando ocê tá sem nada pra fazê, ocê pega uma fôia dessa e vai quebrano assim. Ó, que gostoso”. Foi essa a primeira frase do Argemiro para mim. Ele fez da folha um anzol e pescou minha atenção. Eu, com o olhar perdido no horizonte após a pausa para o lanche – paçoca de carne -, esperava o movimento do grupo para seguir em caminhada. Entregou a folha grossa na minha mão. Apertei entre os dedos. Fez “crec”, ele riu e continuou quebrando a folha dele, retirada num puxão do galho da árvore que me cedia sombra.
Antes disso, eu conhecia somente ao longe a voz de Argemiro, o guia mais velho do Caminho do Sertão. Os guias orientam pequenos grupos de caminhantes, indo à frente para apontar as rotas. Argemiro de Jesus é o mais velho em idade, 65 anos; e também em caminhada e vida sertaneja. Ele está no projeto desde a primeira edição, em 2014; trabalhou na definição do roteiro e passou toda a vida naquele norte mineiro, com exceção dos dois anos quando viveu em Brasília.
“Nesse tempo que eu morei lá, a gente tinha que levantá cinco horas da manhã, pega um ônibus lotado pro serviço, de tarde ocê vinha naquele ônibus lotado…Ah, não! É uma encheção de saco”, diz, entre risos. Os 24 meses vividos na cidade grande bastaram. Para Argemiro, bom mesmo é a liberdade da vida sertaneja, o ir e vir a pé. Nisso ele tem experiência a ponto de tornar-se o guia mais rápido, puxador do grupo mais veloz, onde seguem os caminhantes mais preparados.
Por isso, até então, meus passos lentos só haviam permitido conhecer sua voz ao longe. Faz parte da rotina: antes das 6 da manhã, entre gritos e risadas, ele anima os primeiros passos rumo à estrada da vez: “Vâmo acordá!”. A voz rouca ecoa afastando de vez o sono dos mais lentos. Quando alguns ainda seguram canecas cheias de café, Argemiro já empunha o cajado. “Vâmo, pessoal, é hora de partí”.
E segue abrindo caminho sertão adentro, acompanhado dos caminhantes mais ligeiros. A intimidade com o sertão o permite traçar os 180 km do roteiro em botas de couro. Na sacolinha de pano pendurada no ombro, leva pouca coisa: água, rapadura, vez em quando goiabada. Quando reduz os passos e encosta numa sombra da estrada para não se afastar demais dos outros grupos de caminhantes, tira da bainha uma faca, parte a rapadura – ou goiabada – e distribui para os que o acompanham.
Nessas horas, quem está ao redor aproveita para aprender sobre o sertão. Argemiro sabe nome e serventia de plantas das mais diversas. Pra dor muscular, é o banho de folha do baru ou de pequi. Ele aponta uma árvore: esse é o lobeiro, aquele é o pequi, aquele lá é o pau-terra. Pau-terra ajuda na digestão e em problemas intestinais em geral. Já o pau-doce “já é assim pra um problema mais de alergia, uma dor de barriga simples que você tem”, explica.
Andar ligeiro sertão adentro tem essas vantagens. Caminhar ao lado de Argemiro significa colher aprendizados, não só sobre o cerrado, mas sobre a vida.
“E aqui, teve queimada?” perguntei, notando pequenas plantas escurecidas pelo chão, numa paisagem seca. “Nada”, desconversou Argemiro, afastando com a ponta do cajado os galhos espinhentos. Insisti: “mas e essa planta, tá assim por quê?”. Com dois segundos de exame, o doutor em cerrado deu o diagnóstico: “Ah, isso aí é barba de bode! Queimou, não. Morreu. Viveu inté aborrecê”.