REVIVENDO O CAMINHO – MARIANA CABRAL

29 de Outubro 2014
Começamos hoje a lançar uma série de especiais retratando uma visão geral de como foi a travessia pelo sertão, aos olhos dos caminhantes. Nesta primeira edição, o relato da caminhante e fotógrafa Mariana Cabral. Confira: “Certa vez ouvi que “precisamos diminuir o barulho, caminhar mais devagar, prestar atenção em quem chega e colocar a humildade pra funcionar.” Sou filha do sertão. Faço parte dessa história. Sou fruto dessa gente “trabalhadeira”, que luta dia a dia, sol a sol, e que também precisou, um dia, sair em busca de oportunidades e de uma vida relativamente mais fácil. Nunca neguei essa origem, mas, sem muito entendimento, não foi algo de que sempre me orgulhei. “O caminho do sertão” foi, e ainda é, uma oportunidade de reconhecimento de “ir para si”… Se o sertão está em toda parte, se está dentro da gente, precisava saber o quanto de SER TÃO existe dentro de mim. “Se o sertão está em toda parte, se está dentro da gente, precisava saber o quanto de SER TÃO existe dentro de mim.” Em Sagarana, uma prosa com Maria, ao lado do fogão a lenha, um passeio com Jefferson por aquelas ruas de terra vermelha, meus pés encardidos e os lábios ressecados. Muitas outras Marias de pele queimada pelo sol, de olhares serenos e aqueles sorrisos de Bem Vir! É… o sertão está dentro de mim! Naquelas histórias, encontrei a minha própria história. ” É… o sertão está dentro de mim! Naquelas histórias, encontrei a minha própria história. Os caminhantes e a travessia… Vi pouco a pouco toda aquela gente chegar. Primeiro, um paulistano gente boa, que pedindo carona na BR, levou 9 dias até estar em Sagarana. Quanta coragem e disposição! Foi admiração à primeira vista! Depois vieram mais paulistanos, cariocas, brasilienses, mineiros da região, mineiros de BH e de outras partes. Teve gente vinda do Paraná! De moto! Mais admiração… Tinha quem recitasse trechos do Grande Sertão: Veredas, de cabo a rabo, sem abrir sequer uma página do livro. Emocionante! Eram artistas, historiadores, músicos, geógrafos, ativistas, sonhadores… De olhares curiosos, corações abertos e um desejo em comum: essa vontade de SER TÃO. “Eram artistas, historiadores, músicos, geógrafos, ativistas, sonhadores… De olhares curiosos, corações abertos e um desejo em comum: essa vontade de SER TÃO.” Durante a travessia, compartilhamos ombro e afeto. Repetindo os dizeres de um amigo, nunca dei e recebi tantos abraços. Ao som de “Maria Bonita”, acordávamos às 4:30 da manhã. Era o tempo de desarmar as barracas, tomar café e sair em caminhada. 34km no primeiro dia, 30km no segundo, vinte e poucos no terceiro, e por aí atravessamos 151km, em 6 dias, até a Chapada Gaúcha. Muitas bolhas nos pés. O corpo todo doía, e muito. E a vontade do caminho se fazia cada vez mais forte. Superação. De povoados a vilarejos, nossa chegada era sempre festejada. Éramos recebidos por foliões e trovadores. Impossível conter tanta euforia e emoção. Nossa passagem também despertava a curiosidade dos moradores, de hospitalidade ímpar e sorriso largo para quem quisesse chegar. “O corpo todo doía, e muito. E a vontade do caminho se fazia cada vez mais forte. Superação.” Em Morrinhos, o cafezinho de dona Lili. Em Igrejinha, de dona Preta e seu Otávio, recebi carinho de avós, e prometi levá-los um dia, para assistir ao pôr do sol, na beira do Velho Chico, em minha cidade do coração, São Francisco. Promessa que não quero demorar a cumprir. No meio do caminho também tinha uma cachoeira… Na Fazenda Menino, o prazer imenso em conhecer dona Geralda e a história desse povo em época de ditadura militar. Depois o Ribeirão de Areia, um dos trechos mais difíceis e marcantes, pelo menos para mim. O som deliciosamente agradável de um pífano e um deserto a perder de vista; a lenda reforçada de que um dia o sertão já fora mar. A casinha simples, de pau a pique, da viúva Maria Silvana, que dividiu com a gente o único pedacinho de queijo, naquele sarau improvisado e inesquecível, à beira da fogueira. O banho de rio e mais um despertar. Agora com o voto de silêncio e a mais pura sensação de paz. Passamos pela Serra das Araras. Que presente! Quanta liberdade! Paisagem de encher os olhos e corações. Buritizais, veredas mortas, veredas vivas e tudo o que inspira… Depois, o agronegócio e uma questão: “Está certo ou errado o desmate do cerrado, pra plantar dinheiro em grão?” Enfim, a Chapada Gaúcha e o Encontro dos Povos do Sertão. “… E o senhor me desculpe, de estar retrasando em tantas miudências. Mas até hoje eu represento em meus olhos aquela hora, tudo tão bom; e, o que é, é saudade.” J. G. Rosa – Grande Sertão: Veredas Impossível colocar em palavras toda a emoção daquela travessia, marcada por encontros e reencontros através das estórias do povo sertanejo. Fui com coração e cabeça inquietos, cheios de dúvidas, desejos e expectativas. ”Enveredei”. Voltei com o coração transbordando, a cabeça ainda mais inquieta, muito mais desejos e essa vontade inexplicável de ser cada vez mais SER TÃO. ” Fui com coração e cabeça inquietos, cheios de dúvidas, desejos e expectativas. ”Enveredei”. Voltei com o coração transbordando, a cabeça ainda mais inquieta, muito mais desejos e essa vontade inexplicável de ser cada vez mais SER TÃO.” “… em sua vida é assim? Na minha, agora é que vejo as coisas importantes, todas, em caso curto de acaso foi que se conseguiram – pelo pulo fino de sem ver se dar – a sorte momenteira, por cabelo por um fio, um clim de clina de cavalo. Ah, e se não fosse, cada acaso, não tivesse sido, qual é então que teria sido o meu destino seguinte? Coisa vã, que não conforma respostas…” J.G. Rosa – Grande Sertão: Veredas”
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